Anestésica perspectiva. Periférica liberdade

Almas amortecidas perambulam pela rua opaca. São tempos anêmicos e rastejantes. Onde deveria existir vida, há apenas desconectados encontros e olhos fugidios.

Anestésica perspectiva. Periférica liberdade

Almas amortecidas perambulam pela rua opaca. São tempos anêmicos e rastejantes. Onde deveria existir vida, há apenas desconectados encontros e olhos fugidios. A rotina traz concreto demais às ruas e ao olhar. O cimento nos olhos arranha e dói.

Ressentida pela falta de luz, a vida reage num último estrebuchar de carne pulsante. O único som possível é preenchido pela raiva. Há muita raiva. Há raiva de tudo e de todos.

Descrença é fruto da desilusão, já sabemos; mas se um dia os grandes céticos foram os antigos românticos, hoje impera apenas a tristeza sem referênciais. Não há luz no fim do túnel e nem beco que se abra em uma esplêndida praça. As cortinas já não se abrem para o início do espetáculo. Ao contrário, elas desmoronam e esmagam toda e qualquer possibilidade de fantasia. O passado glorioso a ser reverenciado já não passa de um desfile de figuras caricatas e exemplos toscos de tempos idos; tudo é irreal e a memória é preenchida por fatos reinventados.

Quando a escuridão é tamanha, até a mínima luz pode macular os olhos. A falta de luz, então, ecoa e reverbera no outro a dor de uma anestésica perspectiva. Nada se vê.

Assim, o caminhar segue sem música de fundo; entre grosserias explícitas e veladas. A reluzente cristaleira só serve para anteceder a quebra dos pratos. Sobraram só os cacos.

Mas há cacos e dos cacos reorganizados há de surgir o brilho de uma periférica liberdade. Da prisão que vive mergulhada na escuridão, talvez emerja a fagulha da recriação. Dos mais doentios momentos há de surgir a total e completa ressignificação da realidade. A prisão também liberta.

No atual contexto, talvez os olhos possam ver melhor as sombras que a totalidade de uma luz não perminiria conceber.

E se um toque ainda assusta, tente apenas olhar para mim.

Não espero muito, mas ouso acreditar que a partir desse pouco possa nascer a minha totalidade.

Sobre a autora:

Josie Conti é psicóloga e editora do site CONTI outra.

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Nota: artigo inédito escrito originalmente para a edição impressa da Revista Laranja Original, no. 3, verão 2020.

 

Josie Conti é idealizadora, administradora e responsável editorial do site CONTI outra e de suas redes sociais. Psicóloga com mais de 20 anos de experiência, teve sua trajetória profissional passando por diversas áreas de atuação como educação, clínica (consultório, grupos pré-cirurgia bariátrica e de reeducação alimentar, acompanhamento de pacientes idosos e acamados, além de recursos humanos e saúde do trabalhador. Teve um programa de rádio diário, o CONTI outra, na rádio 94.7 FM de Socorro. Atualmente realiza vídeos, palestras, cursos, entrevistas, e escreve para diversos canais digitais. Sua empresa ainda faz a gestão de sites como A Soma de Todos os Afetos e Psicologias do Brasil. Possui mais de 11 milhões de usuários fidelizados entre seguidores diretos e seguidores dos sites clientes. Também realiza atendimentos psicológicos online. Diariamente, inicia seu dia com uma live no Instagram, o projeto CONTI comigo, onde oferece informações e dicas psicológicas para quem quer realizar mudanças em suas vidas. Em março de 2023 lançou o livro “Todo pé na bunda nos empurra para frente”.

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